quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Número de Caps é insuficiente

De acordo com pesquisas recentemente lançadas, a problemática do consumo e tráfico de crack, transpôs as fronteiras dos centros urbanos e conquistou o interior. De fácil dependência e baixo custo, a droga vicia cada vez mais pessoas. Em Natal, existem dois Centros de Atenção Psicossocial (Caps), onde é feita a triagem dos viciados e encaminhamento aos possíveis locais de tratamento. Com 803.811 habitantes, de acordo com o último Censo, no entanto, o número de Centros na capital não é suficiente para atender a crescente demanda. No interior, a situação é semelhante. São 11 Caps para atender 166 municípios.
O aumento do consumo de drogas é visível, basta circular pelas ruas de Natal para ver jovens utilizando o crack sem constrangimento

O aumento do consumo de drogas é visível, basta circular pelas ruas de Natal para ver jovens utilizando o crack sem constrangimentoSegundo o doutor em psicologia, Lucas Neiva-Silva, por falta de diálogo na família, o uso de drogas lícitas em casa, a não imposição de regras, são fatores de risco que podem levar alguém a entrar no mundo das drogas e não voltar mais. Além disso, existe a influência de colegas. “A sensação de prazer proporcionado pelo crack é muito maior que a das demais drogas, por isso que a dependência é tão rápida e o efeito chega a durar entre 5 e 10 minutos.” Ele afirma que a principal consequência para o usuário é o gradual isolamento social e rompimento com os entes familiares, que gera impactos bastante negativos para o seu desenvolvimento.

A facilidade do acesso à droga pode ser visto na travessa Olavo Dantas, em Dix-Sept Rosado, onde os viciados iniciam o consumo antes mesmo do pôr do sol. No local, é possível comprar uma pedra de crack por até R$ 5 e fazer uso dela ali mesmo. Em algumas cidades brasileiras, como Porto Alegre, por exemplo, o tráfico e consumo da pedra já se tornaram caso de saúde pública, devido ao aumento de dependentes e dos pontos de venda. O governo municipal apontou que 50 mil pessoas são viciadas em crack na capital gaúcha.

Há doze dias sem fazer uso da droga, Juscelino Gomes, de 22 anos, aguardava o momento de ser atendido pelo setor de triagem do Caps II, em Petrópolis. O Centro recebe dependentes químicos de drogas lícitas e ilícitas e os encaminha ao tratamento. Muitos deles são internados na clínica de desintoxicação do Hospital Psiquiátrico João Machado, pois os hospitais gerais da capital – Walfredo Gurgel, Santa Catarina, dos Pescadores e Onofre Lopes – se recusam a recebê-los e tratá-los, segundo a coordernadora do Núcleo de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Cristiana Leite.

Ela afirma que o número de Centros é insuficiente para atender o número crescente de pessoas viciadas em drogas, principalmente o crack. “O município ainda não tem a estrutura adequada, que comporte a demanda. Além disso, precisamos capacitar nossos profissionais de saúde com treinamento específico”. Cristiana comenta que serão investidos cerca de R$ 1,7 milhão oriundos do Programa de Enfrentamento ao Crack e até maio de 2011, mais um Caps estará em funcionamento.

“Hoje temos dois Caps AD (álcool e drogas) da modalidade II (que não é 24h). Até maio iremos inaugurar o Caps III (que funcionará 24h)”. Ela afirma que os hospitais gerais se recusam a receber pacientes encaminhados pelos Caps por se tratar de um paciente psiquiátrico. “Paciente com crises de abstinência, precisam de acompanhamento médico. Eles podem ter uma parada cardíaca, por exemplo, e nós não temos estrutura para mantê-los aqui”.

Causas do vício são diversas

De acordo com o psicólogo Lucas Neiva-Silva, não se procura mais saber a causa específica do vício, pois existem diversos fatores que levam ao consumo de drogas. Curiosidade, mau exemplo no seio familiar e rota de fuga, são algumas das desculpas usadas pelos usuários, que iniciam a usar drogas cada vez mais cedo. Em Natal, na antiga favela do Detran, é possível encontrar crianças fumando.

Dos 167 municípios que formam o Rio Grande do Norte, 96 deles responderam à pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) para a elaboração de um laudo técnico sobre a situação do crack nas cidades do interior brasileiro. No estado, a droga atinge, oficialmente, mais de um terço das cidades. Em municípios como Barcelona, região Potengi, que não consta na pesquisa, a comercialização da droga é realizada por “aviões” (pessoas enviadas pelo traficante) que se infiltram na cidade e fornecem o entorpecente semanalmente.

Segundo relatos de uma moradora que pediu sigilo de sua identidade, o número de furtos aumentou nos últimos dois anos depois da entrada da droga na cidade. A moradora disse que, como não existe uma ocupação além da escola, alguns adolescentes estão iniciando o consumo. Para despistar a polícia que lá trabalha, o “avião” batizou a droga de Ronaldinho, em alusão ao craque jogador de futebol.

Fontes

Para alimentar o vício, os consumidores da droga fazem de tudo. A primeira atitude, na maioria dos casos, é vender objetos pessoais e de familiares. Quando cessam as fontes mais próximas, os dependentes químicos partem para a violência e começam a roubar, conforme aponta Lucas Neiva-Silva: “A fissura pelo uso é tão grande que se começa a roubar, vender objetos pessoais e de terceiros. Eles não medem as consequências, querem o dinheiro para alimentar o vício. Psicologicamente, existe uma série de consequências graves para os viciados”.

Homem relata consequências do vício

“Me tornei um bicho!”. Com ênfase, o desempregado Juscelino Gomes, se define quando relembra o processo pelo qual passou desde que começou a se drogar, aos 15 anos. “Comecei fumando maconha, passei pela cocaína, pelo mesclado e agora eu tento me livrar do vício do crack”. Hoje, aos 22 anos e longe da droga há doze dias, ele busca forças e apoio da família para se libertar, de uma vez por todas, do fantasma que o persegue.

“O crack é uma ilusão. Quanto mais você usa, mais você quer. É uma viagem de segundos e quando termina de usar quer mais e mais e mais”. Morador de Cidade da Esperança, ele afirma que o comércio e consumo da droga são feitos por pessoas de todas as faixas etárias, à luz do dia, em diversos pontos da capital. Para manter o vício, Juscelino diz que já roubou, vendeu objetos pessoais e durante uma de suas “viagens” quase enterrou um homem vivo, por ele ter consumido parte de sua droga.

A coordenadora do Núcleo de Saúde Mental da SMS, Cristiana Leite, afirma que as pessoas que fumam o crack, o fazem de forma abusiva. “Quando o efeito da droga passa, elas querem mais, deliram e são capazes de tudo.” Ela diz que, o processo de desintoxicação de um viciado nesta droga é muito mais complexo do que um dependente de cocaína. Além disso, as crises de abstinência podem levar à morte.

Juscelino já procurou tratamento outras vezes, mas não ficou longe da droga por muito tempo. Ele permaneceu internado durante 15 dias no João Machado e fugiu. Hoje, após procurar ajuda no Caps II Leste, em Petrópolis, ele se sente mais forte. “Vou fazer pelo meu filho e não quero que ele siga meu exemplo”. Ele aponta que as crises de abstinência são a pior parte do tratamento, período no qual ele relata ouvir vozes. Além dele, a mãe do seu filho também está em tratamento.

Da Tribuna do Norte - Ricardo Araújo - repórter

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